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Projeto que altera as regras do comando da Polícia Militar divide deputados
Texto prevê desde a criação da patente de general na carreira da Polícia Militar e a indicação do comandante geral por meio de uma lista tríplice definida pelos oficiais até a unificação do fardamento dos militares em todo o país
Um projeto de lei que reduz o poder dos governadores sobre o comando da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros motivou reação de políticos e representantes das corporações em Minas Gerais. A maioria discorda do projeto ou de parte do texto, mas ressalta pontos positivos do texto.
A medida está em tramitação no Congresso Nacional desde 2001, mas um texto preliminar de um substitutivo de autoria do relator, deputado Capitão Augusto (PL) – que ainda não foi protocolado na Casa – altera sobremaneira a proposta original. Esse novo texto é fruto de debates realizados ao longo de 2020 com entidades representativas de militares de todo o país e o Ministério da Justiça.
O texto do substitutivo prevê desde a criação da patente de general na carreira da Polícia Militar e a indicação do comandante geral por meio de uma lista tríplice definida pelos oficiais até a unificação do fardamento dos militares em todo o país. Além disso, cria mandato de dois anos para o comandante-geral e retira do governador o poder de destituí-lo sem justificativa “e por motivo relevante devidamente comprovado”.
Já o projeto anterior, de autoria do Executivo, previa a padronização de algumas regras em todos os Estados.
Um dos participantes de algumas dessas discussões é o deputado mineiro Subtenente Gonzaga (PDT).
No entanto, ele garante que o texto divulgado não tem o apoio de todas partes envolvidas. “Não há acordo nem entre esses atores que debateram. Minas Gerais tem uma posição muito clara, incisiva e consciente de ser contra alguns pontos que estão no texto e que nós não conseguimos superar. E quando eu falo ‘nós’, eu falo pelo comando da Polícia Militar e por entidades de classe, porque nós participamos desse esforço conjuntamente”, diz.
Entre os pontos que ele destaca como questionáveis estão: a criação da patente de general, a padronização de progressão de carreira e a nomeação do comando da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros por meio de uma lista tríplice.
“Confesso que já advoguei essa tese, de legitimar o comandante a partir da base. Mas, hoje, eu pessoalmente já não advogo essa tese, e a proposta que está no texto ainda é pior porque ela reduz essa indicação a um número muito pequeno de policiais militares. Então, você teria em Minas Gerais hoje na Polícia Militar um universo de quarenta e poucas pessoas para definir a lista tríplice e no Corpo de Bombeiros umas 12 pessoas – que são aqueles que têm função de coronel. No caso da proposta, seriam os generais”, explica.
Por outro lado, ele ressaltou que é um pleito antigo da categoria desvincular a Polícia Militar das oscilações de governo e citou casos de nomeações, mas acredita que isso não se resolve com a lista tríplice ou com a criação de mandato para o comandante geral.
“Sempre houve uma preocupação com a falta de autonomia das polícias, não no sentido de ser um órgão autônomo do Estado, mas de ter um desatrelamento das orientações políticas. Nós sempre usamos essa expressão: a polícia é um órgão de Estado, e não de governo. No governo Pimentel era uma orientação, no governo Zema é outra orientação, no governo Aécio era uma orientação em relação às formas de atuação. Então, quando nós falamos nessa autonomia, é fugir dessa intervenção política e ideológica de cada governador”, disse.
No entanto, ele defende que isso seja feito por meio de legislações estaduais, como já é atualmente. Hoje, existe um decreto-lei federal de 1969 que organiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros, mas há legislações estaduais que tratam de temas diretamente relacionados à realidade de cada Estado.
Apesar de falar em nome dos mineiros, Subtenente Gonzaga não representa toda a categoria. O deputado Cabo Júnio Amaral (PSL), que é um aliado próximo do presidente Jair Bolsonaro, afirma que também discorda do texto da forma como está, mas defende alguns pontos, entre eles a lista tríplice. 
“O que eu concordo, principalmente, é mudar a forma de escolha dos comandantes gerais, porque a escolha é política e, em alguns casos, os governadores olham estritamente o lado político, e não o lado da competência e gestão da própria polícia. Ou seja, você vê ascender ao posto do alto comando – e aí não estou falando de um caso concreto, mas de uma regra que tem suas exceções – pessoas muito políticas e que, às vezes, acabam se entregando muito à gestão política, e não à gestão administrativa da instituição”, disse.
E emendou: “Havendo lista tríplice, por exemplo, e assim é em vários outros órgãos e instituições, eu creio que seria muito bom, não para a independência da polícia, mas para garantir um pouco mais de qualidade na prestação de serviço, do comando até a base”, disse.
Questionado se esse projeto seria de interesse do presidente, o deputado não soube dizer, mas lembrou que é um dos compromissos de Bolsonaro melhorar as condições de trabalho dos militares. “O que eu sei é que o presidente quer, até o último ano de seu mandato, promover uma valorização das instituições policiais”, concluiu. 
A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar de Minas e o governo do Estado, mas ambos informaram que não vão se manifestar sobre as mudanças previstas no projeto de lei. Também procurou o Palácio do Planalto e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, mas até o fechamento da matéria os órgãos não haviam respondido. A Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme) e o Conselho Nacional dos Comandantes Gerais (CNCG), que foram citadas pelo deputado Subtenente Gonzaga como as responsáveis por encabeçar o debate sobre o texto, também não se manifestaram.
PM pode se tornar um 'quinto poder', diz especialista
Especialista em segurança pública e ex-secretário da pasta em Minas Gerais, o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Luiz Flávio Sapori é bastante crítico ao texto do projeto de lei. Em sua avaliação, a proposta transformaria a Polícia Militar numa espécie de quinto poder. 
“É muito preocupante e injustificável uma proposta como essa que torna a Polícia Militar quase um quinto poder no Brasil, considerando que nós já temos Executivo, Legislativo, Judiciários, Ministério Público. Então, a Polícia Militar passaria a ter um poder e uma autonomia típica e muito similar aos do MP. Não se justifica isso”, disse.
Ele trouxe o debate à tona após tomar conhecimento do texto durante o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado no final do ano passado. Segundo Sapori, a proposta vinha sendo discutida entre as entidades de classe “às escondidas”.
“As entidades das Polícias Militares se reuniram nos últimos dois anos para discutir, com o aval do governo federal, e com o Ministério da Justiça e Segurança Pública acompanhando a discussão, participando e legitimando isso, sem o conhecimento dos governadores e da sociedade. Ele estava sendo discutido na surdina”, disse. 
Entre os pontos que destaca como mais graves estão o esvaziamento do poder dos governadores por meio da lista tríplice, a criação da patente de general e a criação de um conselho de comandantes das polícias.
“O documento cria o Conselho Nacional dos Comandantes da Polícia Militar com atribuições deliberativas. Uma instância que estaria vinculada ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ou seja, uma instância acima dos governadores, com todos os comandantes com poder de decisão sobre as polícias militares”, diz.
Ainda segundo o texto do substitutivo, o Conselho poderá definir “políticas institucionais de padronização de procedimentos, diretrizes e intercâmbio das instituições militares'” e “celebrar acordos de cooperação nacionais e internacionais para o desenvolvimento das corporações e suas atividades”.
Sapori também critica a inclusão da fiscalização de empresas privadas de segurança entre as atribuições da corporação. “É (uma proposta) corporativista porque amplia as atribuições da PM, que passaria a fiscalizar e a credenciar empresas privadas de segurança, o que hoje é atribuição da Polícia Federal”, conclui.
Polícia Civil também pode ter mudanças
Ainda em debate, um projeto que pretende criar a Lei Orgânica da Polícia Civil também prevê o esvaziamento do poder dos governadores sobre a corporação. Segundo Luiz Flávio Sapori, uma das propostas em discussão prevê que o delegado geral e comandante da Polícia Civil, cargo de indicação do governador de Estado, tenha mandato fixo e só possa ser destituído mediante aprovação da Assembleia Legislativa. “Dessa forma, ela prevê uma certa autonomia da instituição da autoridade do governador”, explica. 
No entanto, representantes da categoria são unânimes em dizer que ainda não existe um texto formatado e que tudo ainda está em fase de construção.
“Essa Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil em nenhum momento traz em seu texto – que ainda está sendo discutido – interferência nacional no poder do governador em seu Estado, retirando qualquer prerrogativa do Estado sobre as polícias”, garante a diretora de comunicação da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) e presidente da Associação dos Escrivães da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, Aline Risi dos Santos. 
Ela explica ainda que há previsão legal para que uma lei nacional da Polícia Civil. “A própria Constituição Federal tem alguns artigos que preveem, sim, uma lei nacional regulamentando situações gerais das polícias”. Ela se refere ao artigo 24, que diz em seu inciso XVI que cabe à União, aos Estados e ao Distrito Federal “legislar concorrentemente” sobre “a organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis”.
E menciona ainda o parágrafo 4º do mesmo inciso que diz que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.
Nesse sentido, a diretora da Cobrapol defende que uma lei orgânica nacional da Polícia Civil não interferiria no poder dos governadores sobre as polícias. Disse ainda que não há qualquer intenção das entidades que estão discutindo o texto de “afronta” às leis.
“Ela vai organizar todas as polícias do Brasil e dar garantias, direitos e deveres da Polícia Civil em todo o país. E os Estados legislam de forma suplementar, nas questões referentes à administração, salários e alguns outros pontos”. E emendou: “O que a gente estava buscando era mais autonomia operacional”, disse.
Questionada sobre o texto, a deputada estadual Delegada Sheila (PSL), que também representa a categoria no Legislativo mineiro, disse apenas que “não tem projeto de lei ainda” e que, por isso, não teria como comentar.
“Na verdade, eles criaram grupos de discussão, e a gente tem acompanhado, mas não tem nada definido ainda, é tudo muito novo, eu não tenho como falar nada. Não tem nem projeto de lei ainda”, afirmou.

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